terça-feira, 26 de setembro de 2017

Respostas...

Assistindo a um filme*, resolvi escrever sobre uma frase intrigante, do protagonista: “Só há quatro perguntas de valor na vida”.

O que é sagrado?

Embora vivamos presos a conceitos e preceitos, principalmente religiosos, transmitidos por nossos antepassados, quando nos abrimos para a vida aceitando os desafios com um olhar imparcial e desprovido de preconceito, nos deparamos com nosso Eu verdadeiro. Onde reside a verdade, segundo Santo Agostinho. Não a que mostramos no dia a dia para aqueles que convivem conosco, mas aquela que trazemos guardada no íntimo, onde convivem certezas e inseguranças. Onde nem sempre somos como aparentamos ou desejamos aparentar. Nessa investida, pouco a pouco, abandonamos o nosso eu periférico, aquele que é conhecido e esperado por todos. Esse sentimento puro nos conduz ao respeito profundo e natural por todos os seres e nos enleva e eleva  ao estado de consciência alterada. Tornando nossa jornada nesse mundo, um caminho de aprendizado. Não sabemos para onde vamos e desconhecemos o princípio e o fim de tudo. Mas sabemos que vale a pena, quando seguimos rumo à purificação, guiados pelo Eu verdadeiro. Onde residem nossas qualidades superiores: a tolerância, paciência e...

Do que é feito o espírito?

Tudo que não conhecemos, embora nossa intuição reconheça, nos distancia da explicação racional. Mas como não crer que há algo que nos move, nos inspira e nos faz ter força, crer em sonhos e persistir em buscas, inicialmente incríveis? Possuímos o dom de consagrar tudo aquilo que rega nossa alma com positividade e alimentamos nosso espírito com o fruto desse dom. Essa, a essência que constitui toda nossa vontade e crença em perseguir e tentar realizar nossos propósitos. Partindo daquilo que concebemos como bom, mesmo que, às vezes, esse sentimento não corresponda  ao consenso comum. Possuímos o livre arbítrio da forma de alimentar nosso espírito. Criamos, com nossas atitudes, um alimento para a alma, que pode ser bom ou não, mesmo atendendo aos nossos desejos e crenças. Esse entendimento nos levará à necessidade de evolução que se consolida na compreensão incognoscível de tudo que nos rodeia. Mesmo inacessível ao nosso entendimento racional, isso nos fortalece e nos leva à percepção de um todo. Morada da paz, leveza e do...

Pelo que vale a pena viver?

Conhecer o mundo com suas riquezas e diversidades já seria um motivo para considerarmos-nos privilegiados. Mas a natureza, em sua sabedoria, quis nos dar mais, mesmo correndo o risco de que nós nos perdêssemos em meio a tantas possibilidades e nos esquecêssemos que fazemos parte desse planeta admirável. Onde, com harmonia e boa fé, poderemos solucionar todos os problemas que nós mesmos criamos. Para que compreendêssemos o sentido de tudo em nossas vidas, fomos conduzidos à responsabilidade. Com o ser, com o ter e com a base de tudo: a convivência em sociedade. Tudo isso nos envolvendo e nos levando à busca de realização pessoal em todos os sentidos. Moldando o nosso caráter com base nas experiências prévias da natureza humana, história e evolução do ser, e no que recebemos ou deixamos de receber de nossos pais, avós... Esse conjunto de experiências culmina, ou deveria culminar, na gratidão, carinho com tudo que nos rodeia, mesmo em tempos de sombras, clareando os caminhos da alma, do coração e nos levando ao...

E pelo que vale a pena morrer?

O que seria nossa vida, se não houvesse a morte, o desconhecido? Momento de unificação e igualdade. Todos os seres nascem e morrem. Independente de saúde, paz, condição social... Todos os aparatos vão por terra no último suspiro. Restando somente o que somos ou o que fomos. O balanço final de nossos atos nesse mundo. A constatação de que tudo que nos ensinou algo, moldando nosso caráter e visão humanitária de viajantes de um mesmo vagão, valeu a pena. A configuração da verdade de cada um. Universo: um em diversos. Seguimos em paz quando vivemos  e cuidamos do...

A resposta para todas essas perguntas é a mesma... Segundo o protagonista do filme: amor. Esse sentimento tão banalizado e confundido com religião e não com religiosidade. Com o profano e não com o espiritual. Só existe uma resposta para qualquer pergunta. As mães sempre souberam disso. Os pais sabem disso. Os filhos, saberão disso. Curiosamente, todas as respostas poderiam ser dadas para a última pergunta. O final dos trilhos, a curva da estrada.

* Don Juan DeMarco (1994) - dirigido por Jeremy Leven






sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Quantas vidas...

Após assistir “Balzac e a costureirinha chinesa”, pesquisando sobre o filme me deparei com essa frase atribuída a Honoré de Balzac: “É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.” 
Não sei o contexto em que foi escrita, mas, machismo à parte (ambos podem amar, ou tentar, por toda a vida), gostei da frase. 
Pensei nas várias formas de amor e na possibilidade de uma vida bem vivida, seguindo fielmente nossos ideais amparados pelo respeito a todos que encontramos, sem a necessidade de muitos argumentos corroborando nossas atitudes. Alguns dando muitas voltas e outros caminhando em linha reta. Porém, todos com o mesmo objetivo… 
Nesse eu quero crer: viver em paz experimentando cada momento, saboreando as coisas boas e aceitando as dificuldades com a cabeça erguida. Com honestidade, resignação e determinação. Respeito e espontaneidade exercitados no dia a dia, nos libertando de armaduras que nos protegem mas também tolhem nossos movimentos. 
É possível crer em algo que nos faz bem, por toda a vida. Não precisamos de várias vidas para crer no amor.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Um dia de canção

Parte A

Chegar à sede da UBC no Rio de Janeiro nessa última sexta-feira foi interessante. Triste, talvez. Logo na recepção, pude ver um banner que anunciava a morte de Fernando Brant. A recepcionista, Soninha, com olhos tristes me saudou com um beijo suave e um abraço indagador. Daqueles que nos questionam a falta do protagonista. Eu, coadjuvante, diante de um semblante de choro, decidi que iria subir para ver algumas pessoas. No elevador, era como se desvendasse diante de mim uma nova casa em um silêncio total que dominava minha mente, entremeada por pequenos cumprimentos aos funcionários que cruzavam comigo que, com olhares suaves, assentindo com a cabeça, confirmavam entender minha solidão. Foi no oitavo andar, após o sorriso comedido e tímido das meninas que me receberam, que me dei conta do vazio que vivemos quando pessoas que amamos e respeitamos, se ausentam de nossas vidas. Marisa Gandelman com os olhos marejados, veio me receber e num abraço longo dissemos tudo que nunca poderíamos transmitir por meio de palavras, sobre o ocorrido. Começamos então uma conversa informal sobre música e abordamos alguns assuntos de trabalho... Mas o tom da fala era cuidadoso. Está faltando o protagonista...
Com a chegada do amigo Manno Góes, após longo abraço, voltamos às lembranças entremeadas pela urgência do trabalho e continuação de um sonho que foi sonhado, plantado e cultivado há 73 anos: a luta em favor dos direitos de autor. A União Brasileira de Compositores. Nosso próximo compromisso seria a Missa para o Fernando, na Igreja de Santa Rita, próxima à UBC. Lá fora o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica...

Parte B

Após a missa, amigos e artistas abraçavam os familiares. Aliás, todos se abraçavam. Ao som de "Canção da América", seguimos para um almoço com os familiares e pessoas bem próximas do Fernando, em um restaurante de que ele gostava muito, situado nas imediações. Já na rua, ao lado de Leise, esposa e companheira de longos anos de Fernando, experimentei algo que já suspeitava há muito tempo.

Vivemos amparados por estruturas que nos tornam seguros ou inseguros, melhores ou piores como pessoas.

A família Brant, ali representada por Ana Luísa, Bebel e Diógenes, todos com personalidade muito definida, me mostravam claramente o tom do dia a dia regido com maestria pela mãe, mulher de fibra e personalidade forte. Uma verdadeira amiga. Eu que levo a vida envolvida por um romantismo constante, pensando em Fernando Brant com seu estilo otimista, amigo, franco e ao mesmo tempo gentil, não resisti ao desejo de participar desse momento de tanta lucidez, mesmo que envolvido por uma aura de saudosismo e tristeza que povoavam nossos assuntos. Bebi e degustei cada lembrança, cada história contada pela Leise... Algumas me envolvendo. E os laços, em minha mente, crescendo. Me levando, cada vez para mais perto deles.
Aqui fora o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica...

Parte  A1

Foi no restaurante que aconteceu a catarse da amizade espalhada como um vírus por Fernando e sua família. O respeito, carinho e admiração exalavam ao meu lado com Aloysio Reis contando histórias e experiências com o Fernando, enquanto Manno Góes fazia um lindo contraponto melódico em alusão à sua experiência com o grande poeta. Sydney Sanches e sua esposa Leila Pose Sanches, em outra ponta, conduziam nossos assuntos com bom humor e leveza. Daquelas que somente os verdadeiramente amigos são capazes. Eu, estranhamente feliz por aquele momento, trocava pequenas frases e fazia coro com Marisa, Leise, Diógenes e sua namorada Mariana. Bebel e Ana Luisa permaneciam fiéis à harmonia. Essa música embalou toda a tarde e teve a pretensão de se tornar um grande tema com variações. Nessa hora, quem regia era Fernando Brant.
Mas o tempo não para. Os relógios, os aeroportos, são rigorosos...

Lá fora o dia nublado chorava uma chuva forte e saudosa, escondendo o crepúsculo que não suportou sua dor... Parecia que nesse dia não haveria a "Fresta entre os dois mundos". Fernando se fora.

CODA

Já na rua, em meio a muita chuva, movimento de automóveis e muitos transeuntes, tentamos, exaustivamente, conseguir um táxi que nos conduzisse ao aeroporto. Aos meus olhos e para o meu coração, o Rio de Janeiro estava banhado em lágrimas, refletindo meu sentimento. As poças d'água na rua me diziam para seguir com cuidado pela vida. Sabendo onde pisar... Cuidando dos amigos e pessoas à minha volta. Cuidando do sonho. Com muito custo, cheguei ao aeroporto. Depois de muitas provações, entre elas voos cancelados e mudança para outro aeroporto, já na madrugada de sábado, cheguei à minha casa. Cansado e pensativo, depois de um banho e algumas cervejas, recapitulei o dia e, já deitado, pensei como a vida é boa e segue uma lógica própria. Tentei ordenar meus pensamentos, mas a vida não se desenvolve baseada em nossos preceitos. Enquanto pensava uma forma de organizar o mundo, cerraram-se as cortinas dos meus olhos desencadeando uma longa Fermata de sonhos...
Lá fora, um dia renascia me convidando para seguir em frente, dando assim o sentido de eternidade: continuar tudo que nos foi dado gratuitamente pela vida, pelos amigos... Viva Fernando Brant!!


quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Arte e vida em sociedade

Noite sem sono. Na madrugada os problemas ganham outra dimensão. Tornam-se maiores. Enquanto o pensamento briga com o corpo inquieto, penso em nossa condição atual. Na arte, na vida... Como em minha mente eu posso questionar tudo sem ser censurado, imagino o quanto nosso país é inculto. Na acepção dessa palavra, mal cuidado.

Nos últimos meses, quanta vergonha tenho sentido em reuniões com autores estrangeiros, quando abordam o caráter e a honestidade dos políticos brasileiros. Eu, sempre argumentando e questionando todos pela ótica  da legitimidade da correção pessoal. Da dignidade individual. Da índole.

O que mais me atemoriza em todos esses aspectos medonhos que vivemos, é a hipocrisia. Também e principalmente, da sociedade. Das organizações e grupos que promovem o conservadorismo e, ao mesmo tempo, não se assustam com a massificação que assola o país por meio do condicionamento de ideias, tendências e exposição de uma pseudo realidade.
Onde o ter, em todos os níveis, se impõe ao saber ou à busca de conhecimento e respeito à diversidade. Ter razão, ter prestígio, se impor, mesmo que seja pela falsa sabedoria e pelo prazer da discussão não levada à prática e busca de melhorias para a vida...

Palavras que escorrem como vômitos incontidos. Nos levando, cada vez mais, à solidão.
Nos escondendo atrás de  falsos ídolos, conceitos, moralismos e deixando a vida lá de fora nos engolir com suas promessas que escondem uma gana de exploração da condição humana. Falsas realizações. Quando o nosso protagonismo ultrapassa o sentido da vida.

E o sono não vem. Claro. Em meio a esse caos do pensamento...

Penso que a arte sempre foi a interrogação dos tempos. Documentou a história da humanidade por meio da pintura, da música, arquitetura, dança, literatura, poesia... De todas as suas vertentes. Quando o criador, percebendo o mundo, retrata e extravasa sua inquietude por meio de sua criação.

Um breve cochilo no tempo...

Desperto novamente e, inquieto, me lembro do episódio de uma exposição de arte interrompida recentemente. Vencido pela falta de sono pesquiso um pouco sobre o tema e encontro a nota de cancelamento, emitida pelo órgão responsável e divulgada pela imprensa. Em determinado trecho dizem: “Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana.”
Em todas as manifestações contrárias às obras expostas, percebi a arte como instrumento de reflexão positiva sobre os seres que habitam nossa contemporaneidade. Nossa sociedade. O medo de símbolos em contraste com a hipocrisia... Nosso reflexo no espelho. Me vem a dúvida: será que entendi tudo errado desde o começo de meus estudos de música, cinema e arte em geral? Lembrei-me de um disco antigo que gravei, onde escrevi:

“Quando penso na forma como me envolvi com a música, me volta à memória a minha infância, quando, aos sete anos de idade, adormeci para a realidade do dia a dia e despertei em um sonho de magia e de sons. De lá para cá, entre acordos e desacordos, às vezes volto a essa “realidade”. Como não me encontro, novamente retorno ao sono profundo e encantador que é a música.”

Perdi a hora...